o projeto

Um dos versos favoritos de Dorival Caymmi em suas próprias canções é “E assim adormece esse homem que nunca precisa dormir pra sonhar”, de “João Valentão”. Talvez porque o baiano, ele próprio, tenha vivido assim, num estado de sonho ativo. Porque Caymmi sonhou um lugar (uma Maracangalha, uma Bahia, um Brasil) e, como orixá, fez de seu sonho brotar o real. Em suas canções, quase sempre de poucas palavras, ele enunciou verdades sobre esta nossa terra e esta nossa vida, com sua voz calma e funda. Verdades que até então não se suspeitava — e que se tornaram evidentes e incontestáveis depois dele. Criação, esse é o nome.

Caymmi não inventou a Bahia, nem Carmem Miranda, nem o amor (“não fui eu, nem ninguém”, ele canta), nem a vizinha que mexe com suas cadeiras e os juízos alheios, nem a batida de João Gilberto, nem o rádio brasileiro que celebra agora seu centenário. Mas inventou-os — ao dar a eles outros sentidos, materialidades e o existencialismo brejeiro de seu sonho. Tudo, como em seu “Vatapá”, marcado pela simplicidade (“Primeiro o fubá, depois o dendê”) e pelo mistério da sabedoria que não se pode explicar (“Que saiba mexer”).

A Semana Caymmi também nasceu de um sonho, daqueles que não se precisa dormir pra sonhar. A partir do edital Expo MIS, bem-vinda iniciativa do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, que nos convidava a pensar uma itinerância do seu acervo para algum lugar fora da capital do estado, imaginamos a voz de Caymmi, suas imagens, sua biografia, banhando em ondas do mar e do rádio a cidade de Rio das Ostras, lugar que ele dizia ser sua “Bahia no Rio”. Além de celebrar Caymmi, comemoramos o centenário da radiodifusão brasileira, e a importância que o rádio teve para a divulgação e o amadurecimento de talentos como o de nosso homenageado.